domingo, 17 de outubro de 2010

Atualidades científicas

Um passo mais próximo das estrelas

A fonte de energia para o futuro da humanidade pode estar escondida dentro de um minúsculo cilindro dourado que cabe na ponta de um dedo... e que é usado como alvo para os quase duzentos feixes do laser mais energético do mundo.Energia

Há várias décadas que os cientistas perseguem o sonho de conseguir replicar em laboratório e de forma controlada a fusão nuclear - o mecanismo natural através do qual as estrelas produzem a sua imensa energia. Para isto, é preciso pegar em dois isótopos do elemento hidrogénio e obrigá-los a fundirem-se, formando hélio e liberando energia. Mas esta união é muito difícil de atingir, devido à repulsão mútua dos isótopos, e as condições físicas em que esta se consegue ultrapassar são extremamente sensíveis.
Um dos  principais métodos considerados para se tentar alcançar a fusão é o chamado confinamento magnético, em que um anel de plasma - um gás ionizado - é mantido a altas temperaturas num volume restrito. Um exemplo de um sistema deste tipo é o projecto internacional ITER , agora em desenvolvimento no sul de França. O outro método é a fusão por confinamento inercial, em que um pequeno alvo atestado de "combustível" nuclear é irradiado por um grande número de feixes laser de alta intensidade, comprimindo-o de modo em que as condições para se obter fusão sejam atingidas no seu núcleo. Também na Europa, está em desenvolvimento o projecto HiPER , que explora esta via alternativa. (Portugal é representado em ambos os projectos pelo Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear , unidade de investigação do Instituto Superior Técnico , Lisboa)
Agora, num artigo publicado na revista Science desta semana, cientistas do Laboratório Lawrence Livermore , na Califórnia, dão conta de um avanço significativo na tentativa de atingir fusão nuclear usando lasers. Para isso, usaram aquele que é o maior laser do mundo - o mega-projecto National Ignition Facility (NIF) - que foi inaugurado em Maio de 2009 e começa agora a dar os primeiros resultados de sucesso. O NIF, cuja construção se iniciou em 1997, tem um total de 192 feixes laser de alta energia, gerados ao longo de uma cadeia de amplificação que ocupa um espaço equivalente ao de três campos de futebol. O coração do NIF consiste numa enorme câmara de aço esférica, com três andares de altura, onde cada um dos feixes entra por uma pequena janela e é focado no centro. Aqui encontra-se o pequeno cilindro dourado, chamado hohlraum, cujo interior é iluminado de forma simétrica pelo total dos feixes (ver imagem). A energia luminosa que atinge este alvo é de 1.8 milhões de Joules, concentrada em impulsos cuja duração é inferior a um centésimo de milionésimo de segundo. Desta vez, ainda não foi utilizada toda a energia - apenas cerca de 40%. Mesmo assim, trata-se de um novo recorde mundial de energia produzida por um laser, sendo 20 vezes superior ao máximo atingido anteriormente. E a colossal potência equivalente seria suficiente para fazer evaporar num segundo toda a água de 50 piscinas olímpicas.
Na fusão por confinamento inercial, os feixes laser criam um "banho" de raios-x dentro do hohlraum, em cujo interior está colocada uma micro-cápsula contendo o combustível. O raios-x fazem com que a cápsula seja comprimida e a sua temperatura se eleve de forma quase instantânea até milhões de graus. As densidades atingidas levam a que se dê a fusão dos átomos no seu interior. Se a energia libertada for superior a toda a  energia que foi investida para a produzir, temos uma fonte eficiente.
Espera-se que este processo seja a chave para se atingir a fusão, só que o caminho até lá se chegar está cheio de dificuldades técnicas. Por exemplo, a irradiação do alvo tem que ser feita de forma extremamente simétrica e homogénea, já que quaisquer desequilíbrios perturbam e inviabilizam o processo. Outro problema que preocupa os investigadores há três décadas tem a ver com o plasma criado pelos lasers dentro do hohlraum. Acontece que os lasers são de tal forma intensos que, ao interagirem com o interior do pequeno cilindro, vaporizam a sua matéria, criando uma "sopa" de partículas carregadas entre as suas paredes. Pensava-se que esta "sopa" de plasma atuaria como um nevoeiro, prejudicando a capacidade da cápsula ser uniformemente iluminada, e afetando inevitavelmente a eficiência de absorção da luz.
O que as recentes experiências realizadas no NIF demonstraram é que o plasma não reduz a capacidade de absorção de energia como se temia, mas que até pode ser manipulado favoravelmente de forma a optimizar a iluminação da cápsula e a uniformidade da compressão. Foi uma prova dramática de que aquele que se receava que fosse um dos principais problemas pode afinal ser ultrapassado. É um dos resultados mais promissores em toda a história da fusão nuclear.
Entretanto, uma vez concluída esta fase de demonstração, os investigadores do NIF contam iniciar em Maio as experiências com alvos efetivamente carregados de combustível, e utilizando a 100% a energia que pode ser produzida pelo sistema. Com estes parâmetros, eles estão convictos de que a demonstração de fusão nuclear pode acontecer muito em breve. No ano em que se comemoram os 50 anos da invenção do laser, seria um presente a condizer.



Síntese facilitada


Nobel de Química de 2010 contempla o desenvolvimento de métodos que permitiram a produção em laboratório de moléculas orgânicas complexas de grande interesse médico e industrial. Prêmio será dividido por um norte-americano e dois japoneses.


Síntese facilitada
A esponja ‘Discodermia dissoluta’, encontrada no mar do Caribe, produz a discodermolida, substância de ação antitumoral que foi possível obter artificialmente graças ao uso do paládio como catalisador da síntese de moléculas orgânicas (foto: NOAA).


A criação de técnicas que permitiram a síntese de compostos que antes era impossível obter em laboratório foi o feito contemplado pelo Nobel de Química deste ano. O prêmio de 10 milhões de coroas suecas (equivalente a cerca de R$ 2,5 milhões) será dividido em partes iguais por três pesquisadores.
Os agraciados são o norte-americano Richard F. Heck (1931-), professor emérito da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, e os japoneses Ei-ichi Negishi (1935-), professor de química da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, e Akira Suzuki (1930-), professor emérito da Universidade Hokkaido, no Japão.
Os laureados desenvolveram, de forma independente, métodos que usam o metal paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas. (Um catalisador é uma substância que aumenta a velocidade ou eficiência de uma reação.)
Os métodos criados por eles permitiram produzir em laboratório moléculas orgânicas complexas – que têm em sua estrutura um ‘esqueleto’ formado por longas cadeias de carbono. O paládio usado como catalisador da reação favorece a ligação dos átomos de carbono – que, por sua estabilidade, não reagem facilmente uns com os outros.
"Na química orgânica todos usam os métodos desenvolvidos pelos premiados. A escolha é muito justa", avalia o engenheiro químico Martin Schmal, coordenador do Núcleo de Catálise da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). "O grande mérito deles é a aplicação desse método na construção de novas moléculas que servem tanto para a indústria, quanto para a medicina ou a química fina."


Laureados - Nobel de Química 2010 
Os laureados de 2010 com o Nobel de Química. Da esquerda para a direita: o americano Richard F. Heck e os japoneses Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki (fotos: Universidades de Delaware / Purdue / de Hokkaido). 


Pulo do gato
Antes do trabalho dos laureados, eram conhecidos métodos que permitiam a síntese de pequenas moléculas orgânicas. Quando era tecnicamente possível, a síntese de moléculas mais complexas, com um número maior de átomos de carbono, gerava um grande volume de subprodutos indesejáveis, que inviabilizavam sua produção em grande escala. O pulo do gato foi a adoção do paládio como catalisador para esse processo, que permitiu promover a reação com grande eficiência e precisão.
No método desenvolvido pelos laureados, o paládio é usado como 'ponto de encontro' para os átomos de carbono, que se aproximam e ficam em posição propícia para desencadear a reação que os ligará. “A catálise permitiu que eles conseguissem realizar a síntese de forma rápida e em condições extremamente brandas, em temperaturas baixas”, explica Martin Schmal.
O primeiro dos laureados a investigar o uso do paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas foi Richard Heck. Inspirado no emprego desse metal por uma empresa química alemã, ele fez em laboratório ensaios que permitiram ligar cadeias cada vez maiores de átomos de carbono.
Uma etapa essencial do seu trabalho foi obtenção de estireno – unidade elementar de um polímero de grande importância industrial – a partir de duas moléculas orgânicas menores, como mostra o diagrama abaixo:
Síntese de estireno 
Representação esquemática da reação pioneira que Richard Heck promoveu para o uso do paládio como catalisador da síntese de moléculas orgânicas. O paládio (representado em vermelho) facilita a ligação entre um dos átomos de carbono da molécula de olefina com outro da molécula de bromobenzeno. A presença do paládio estimula a ligação entre esses dois carbonos e resulta na formação de uma molécula de estireno, unidade fundamental do poliestireno, polímero de grande importância comercial (arte: Fundação Nobel).


Na segunda metade dos anos 1970, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki desenvolveram outros métodos que usavam o paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas, além de envolver também compostos de zinco e boro, respectivamente.




Interesse médico e industrial
As técnicas criadas pelos laureados são hoje amplamente adotadas em todo o mundo para a produção em grande escala de moléculas orgânicas de interesse médico e industrial, como fármacos ou componentes eletrônicos, como os OLEDs – sigla em inglês para diodos orgânicos emissores de luz.
O chamado método de Heck é hoje o mais empregado no mundo para promover ligações simples entre átomos de carbono. Ele é usado, por exemplo, na produção em escala industrial de drogas anti-inflamatórias e contra a asma.
Da mesma forma, a variante do método desenvolvida por Negishi permitiu sintetizar em laboratório a discodermolida, substância de ação antitumoral que só era encontrada em esponjas da espécie Discodermia dissoluta, que habitam o mar do Caribe. Antes disso, não era possível produzir esse composto em escala comercial.
A produção artificial de substâncias como essa talvez seja a maior vantagem dos métodos desenvolvidos pelos laureados. “O mais interessante é que eles permitem obter moléculas que já existem na natureza, mas que nunca havia sido possível sintetizar”, resume Martin Schmal.


obs: As moléculas orgânicas, construídas a partir de átomos de carbono, são fundamentais para a vida. Não por acaso, as ligações entre esses átomos já foram o objeto de cinco prêmios Nobel no passado – o último deles foi concedido em 2005 a três pesquisadores que desenvolveram métodos catalisados por metais para promover ligações duplas entre átomos de carbono.




As microalgas podem constituir a fonte ideal para os biocombustíveis do futuro

                                           (segunda, 27 outubro 2008 . Le Monde)


São plantas microscópicas, que se encontram nos oceanos, nos lagos e nos rios. Elas crescem em decorrência do processo de fotossíntese e, para tanto, não precisam de quase nada, apenas de sol, de água e de gás carbônico. Sobretudo, elas são ricas em lipídios. . . Por todas essas razões, as microalgas talvez constituam a principal reserva existente dos biocombustíveis que serão utilizados no futuro. Os biocombustíveis de primeira geração, que são extraídos dos vegetais terrestres - milho, trigo, beterraba e cana-de-açúcar para a produção do bioetanol; colza, soja e girassol para o biodiesel - já não gozam mais do prestígio que tinham pouco tempo atrás. Isso se deve ao fato de que eles entraram em concorrência com as culturas de gêneros alimentícios, além de constituírem uma das causas principais dos desmatamentos e da deterioração dos solos. Já, os biocombustíveis de segunda geração, que valorizam a totalidade das plantas - madeira, folhas, palha, resíduos agrícolas -, prometem ser mais vantajosos. Contudo, no que diz respeito à categoria mais avançada desta geração, que visa a produzir bioetanol a partir da celulose e da linina da madeira (uma substância orgânica também chamada de acromatina que impregna as células, as fibras e os vasos da madeira), os rendimentos que foram obtidos até agora permanecem reduzidos; além disso, os seus custos seguem elevados e as tecnologias empregadas, complexas. Com isso, a alternativa mais promissora poderia provir das microalgas, que já foram qualificadas pelos cientistas como fonte de biocombustíveis de terceira geração. "A produção em grande escala de biodiesel a partir de algas vai acontecer muito mais rapidamente do que imaginam", prevê Juan Wu, da sociedade de consultoria em biotecnologias Alcimed. Este especialista acredita que a sua comercialização seja possível "dentro de três a seis anos, e com um preço competitivo em relação ao diesel produzido a partir do petróleo". Já, o responsável do programa de pesquisas francês Shamash - do nome da divindade solar do império da Babilônia -, Olivier Bernard, do Instituto Nacional de Pesquisas em Informática e em Automatismo (cuja sigla em francês é Inria), com sede em Sophia Antipolis (sudeste), se mostra mais prudente a respeito do biocombustível a base de algas. "Em teoria, o potencial das microalgas é enorme e justifica os meios importantes que lhes são dedicados no plano da pesquisa. Contudo, nós ainda não passamos do estágio do laboratório", pondera. "Ainda falta muito para que uma produção em grande escala possa ser iniciada. Isso só irá ocorrer dentro de pelo menos cinco anos, e mais provavelmente dentro de dez anos".  

Muitos pesquisadores e industriais estão voltando as suas atenções para esta nova jazida de energia. Uma centena de projetos já foi deslanchada não só nos Estados Unidos, como também na Austrália, na China ou em Israel. Na Europa, cerca de quinze programas de pesquisas estão sendo desenvolvidos. Um dos pioneiros, a companhia americana Petrosun, anunciou no segundo trimestre deste ano a criação, em Rio Hondo (Texas), de uma fazenda de microalgas marinhas, instalada numa superfície de 450 hectares de lagoas de água marinha, e de outra fazenda similar, perto do golfo do México, de 1.100 hectares. A sociedade israelense Algatech, que vem elaborando desde 1999, no deserto do Neguev, derivados de algas para fins medicinais e alimentícios, já está se preparando para produzir um combustível à base de algas. Por sua vez, a GreenFuel, uma empresa fundada por engenheiros do Massachusetts Institute of Technology (MIT), já está comercializando sistemas de cultura das algas. As companhias petroleiras Shell e Chevron também resolveram lançar-se nesta aventura. Inúmeras empresas start-up estão florescendo no mercado. Nelas, importantes investidores de capital de risco andaram injetando milhões de dólares. . . "As microalgas podem acumular entre 60% e 80% do seu peso em ácidos gordurosos", explica Olivier Bernard. Isso permite esperar uma produção anual, por hectare, de cerca de trinta toneladas de óleo. Ou seja, um rendimento trinta vezes superior ao das espécies oleaginosas terrestres como a colza. Contudo, ainda falta muito para que os procedimentos de fabricação sejam totalmente dominados. Entre as várias centenas de milhares, e até os milhões de espécies de microalgas presentes na natureza, nem todas revelam ser tão promissoras. Portanto será preciso selecionar - ou obter por meio de manipulação genética - as variedades cujo crescimento for mais rápido e aquelas que se mostrarão mais aptas a armazenarem lipídios. Então, numa segunda etapa, os pesquisadores deverão comparar o desempenho de diferentes formas de cultura, seja dentro de piscinas de água do mar ou de água doce; ou ainda no interior de aquários fechados - chamados de foto-bioreagentes -, que evitam que as culturas sejam contaminadas por outros microorganismos e permitem controlar a fotossíntese de maneira mais eficiente, mas que também custam mais caro. Então, será necessário encontrar a melhor equação biológica para modificar o metabolismo das algas e "carregá-las" com ácidos gordurosos, submetendo-as a certos tipos de stress - tais como uma carência em nitrogênio - e dopando-as com CO2. Este último processo, a razão de cerca de 2 kg de gás carbônico para 1 kg de matéria vegetal, poderia ser utilizado para reciclar resíduos industriais. Por fim, ainda será necessário elaborar um processo eficiente de extração do óleo armazenado por essas plantas minúsculas. Com efeito, o método atual, por meio de centrifugação, secagem e uso de um solvente orgânico, requer grandes quantidades de energia. E para concluir, será então possível transformar este óleo em combustível diesel. Vale dizer que enormes progressos ainda estão por serem realizados, até que o "ouro verde" das microalgas ponha um motor de carro para funcionar. 

Em seu relatório anual sobre a alimentação mundial, que foi publicado no início de outubro, a Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura (FAO) incluiu uma severa advertência no que diz respeito aos biocombustíveis. Ela fez um apelo aos países da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos, que conta 30 países-membros) para que estes operem uma revisão das suas políticas energéticas e das subvenções que eles alocaram para a produção de biocombustíveis. Essa mudança das metas destina-se a manter o objetivo de segurança alimentar mundial e a garantir um meio-ambiente sustentável. "As oportunidades para os países em desenvolvimento de tirarem um melhor proveito da demanda de biocombustíveis seriam favorecidas pela supressão das subvenções agrícolas e das barreiras comerciais que criam um mercado artificial e que beneficiam atualmente apenas aos produtores dos países da OCDE, em detrimento dos países em desenvolvimento", denunciou Jacques Diouf, o diretor-geral da FAO. Ao alertar para o fato de que a produção de biocombustíveis mais que triplicou entre 2000 e 2007, e que ela deveria continuar aumentando no decorrer da próxima década, o que deverá provocar aumentos dos preços dos gêneros alimentícios, a FAO insiste, em seu relatório, para que os países da OCDE procurem reduzir os riscos e compartilhem melhor as vantagens proporcionadas pelos biocombustíveis.  

Pierre Le Hir (Tradução: Jean-Yves de Neufville)

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